A problemática envolvendo a caracterização do Covid-19 como doença ocupacional teve início em 2020, com a antiga MP 927 (artigo 29). Naquela ocasião, a caracterização do Coronavírus como doença ocupacional dependia da comprovação do nexo entre a atividade desenvolvida pelo colaborador e a sua contaminação.
Contudo, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou, ainda em 2020, a suspensão dos efeitos do artigo 29 da antiga MP 927, gerando uma grande desinformação social pelos meios de comunicação da imprensa. Isto porque a ideia de que a contaminação de algum colaborador por Coronavírus representaria típica doença ocupacional equiparada à acidente de trabalho não nos parece correta.
Explicamos:
Nos valendo de uma grande máxima no direito, a verdade é que a Covid-19 poderá ou não ser caracterizado como doença ocupacional, independentemente da redação da antiga MP 927.
Isto porque a contaminação de trabalhadores pelo Covid-19 poderá, ou não, ser considerada uma doença ocupacional. O fator preponderante para essa caracterização será, especificamente, a atividade desempenhada pelo trabalhador.
Neste sentido, o colaborador que contrair a Covid-19 precisará, necessariamente, comprovar a existência de nexo causal entre a doença e suas atividades, pois a presunção é a de que a doença não teria sido contraída no trabalho.
Em verdade, o que disciplinava o artigo 29 da antiga MP era somente uma questão de ônus da prova (de quem é o dever de provar) e caberia ao empregado lutar contra a presunção de que a Covid não era uma doença ocupacional.
E, neste aspecto, tem-se que as relações de emprego seguem à regra geral da Lei Previdenciária, a qual também dispõe que uma doença derivada de endemia adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva não será considerada doença ocupacional, salvo comprovação de que resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
Isso nos leva a dois cenários: determinadas operações empresariais serão consideradas de risco, enquanto outras não serão. Em relação àquelas consideradas de risco, será aplicada a teoria da responsabilidade objetiva, enquanto nas demais será aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva.
Neste contexto, atividades empresariais de risco alto, ou altíssimo, atrairão a aplicação da teoria do risco criado, consubstanciada no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil. Esta teoria indica, em um breve resumo, que o empregador é quem arcará com prejuízos causados aos seus colaboradores, uma vez que tais prejuízos sofridos pelo empregado foram gerados pela atividade empresarial que é, pela natureza, arriscada.
Assim, se uma atividade empresária é considerada de risco alto ou altíssimo de contágio pela Covid-19, a contaminação de algum empregado, por si só, configurará uma doença ocupacional equiparada à acidente de trabalho, sendo dever da empresa comprovar em uma eventual ação judicial as excludentes do nexo causal (culpa exclusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiro e o caso fortuito e força maior).
Já em relação às atividades de baixo risco, entendemos que a teoria a ser aplicada é a da responsabilidade subjetiva, que determina que o dever de comprovar qualquer ligação entre o quadro de contaminação pelo Covid-19 com o trabalho desempenhado na empresa será do colaborador.
Nela, não basta somente que o funcionário esteja contaminado pelo Covid-19, pois ele ainda precisará comprovar que a contaminação se deu no ambiente de trabalho ou pela atividade laboral por ele exercida, cabendo à empresa realizar numa ação judicial a contraprova de que tomou todas as precauções cabíveis e que a atividade desempenhada não era de risco, de modo que a mera contaminação, ainda que no ambiente de trabalho, não decorreu de ato ou omissão do empregador.
Na prática, essa caracterização como doença ocupacional equiparada à acidente de trabalho gerará as seguintes consequências ao empregador:
1) ESTABILIDADE NO EMPREGO – A legislação prevê por meio do artigo 118 da Lei n. 8.213/91 a estabilidade ao empregado segurado que sofra acidente do trabalho, pelo prazo de 12 meses após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.
2) NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DOS DEPÓSITOS DE FGTS – Enquanto o trabalhador estiver afastado do trabalho por motivo de incapacidade laboral, o empregador deverá realizar o depósito do FGTS, nos termos do artigo 15 § 5º da Lei 8.036/1990.
3) POSSÍVEIS REPERCUSSÕES CRIMINAIS CONTRA O EMPREGADOR – O descumprimento das normas de segurança, higiene e medicina do trabalho pode levar a acidentes de trabalho e caracterizar, ainda, os crimes de homicídio, lesões corporais ou de perigo comum, previstos respectivamente nos artigos 121, 129 e 132 do Código Penal brasileiro, por conduta dolosa ou culposa do empregador ou dos responsáveis pela segurança dos trabalhadores.
4) INEXISTÊNCIA DE CARÊNCIA PARA O EMPREGADO RECEBER BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – Configurado o acidente de trabalho ou doença equiparada, não será exigida qualquer carência para percepção do benefício previdenciário, conforme artigo 71 do Decreto n. 3.048 de 1999.
5) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTAS AO EMPREGADOR – Configurado acidente de trabalho na empresa será preciso transmitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ao INSS. As possíveis multas para o atraso ou por deixar de comunicar acidente de trabalho variam entre o limite mínimo e máximo do salário de contribuição, havendo a possibilidade de dobrar o valor em casos de reincidência.
6) POSSIBILIDADE DE A EMPRESA SOFRER AÇÃO DE REGRESSO DO INSS – O direito de regresso está previsto expressamente nos artigos 120 e 121 da lei 8.213/91[10].
7) POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO (por danos morais e materiais) PELO EMPREGADO – Caracterizado o acidente de trabalho, derivado da contaminação pelo coronavírus como doença equiparada, havendo responsabilidade do empregador, objetiva ou não, haverá dever de indenizar.
8) AUMENTO DE ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO DA EMPRESA, DESTINADA AO FINANCIAMENTO DA APOSENTADORIA ESPECIAL – Finalmente, o Decreto n. 3.048, de 06 de maio de 1999, prevê um último risco acerca da covid-19 como acidente de trabalho para empresas que desempenhem atividades de risco ou nos casos em que o empregado comprovar o nexo causal da contaminação.
Pois bem, uma vez que o grau de risco da atividade empresarial é o que norteará a aplicação das teorias objetiva ou subjetiva, entendemos que os protocolos de segurança das autoridades competentes surgem como norteadores sobre em qual risco estariam enquadradas as atividades de determinada empresa. Neste contexto, várias são as normativas a serem seguidas.
A primeira delas envolve os protocolos das autoridades locais (Estados e Municípios). Além destes protocolos, é essencial que seja observado qual seria o risco de contágio da atividade analisada (baixo, moderado ou elevado). Isto porque algumas atividades essenciais irão, necessariamente, comportar um risco elevado de contaminação (a exemplo dos hospitais). Por isso, apesar dos protocolos sanitários das autoridades, uma determinada atividade pode estar enquadrada fora do risco do protocolo, mas dentro do risco real de contágio.
Portanto, para a definição do grau de risco da atividade de uma empresa, entendemos ser importante a análise com base no que disciplina a Occupational Safety and Health – OSHA, que elaborou uma classificação de graus de risco à exposição ao Coronavírus considerando as funções desempenhadas pelos trabalhadores.
Tal classificação deverá ser levada em consideração para resolver os futuros dilemas, em razão do que preceitua a Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) quanto à preponderância dos parâmetros e técnicas mais desenvolvidas e modernas existentes na ciência para diagnóstico de riscos ocupacionais.
A classificação da Occupational Safety and Health – OSHA remete a quatro graus distintos:
a) Risco muito alto de exposição: aqueles com alto potencial de contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19 durante procedimentos médicos, laboratoriais ou post-mortem, tais como: médicos, enfermeiras, dentistas, paramédicos, técnicos de enfermagem, profissionais que realizam exames ou coletam amostras e aqueles que realizam autopsias;
b) Risco alto de exposição: profissionais que entram em contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19, tais como: fornecedores de insumos de saúde, e profissionais de apoio que entrem nos quartos ou ambientes onde estejam ou estiveram presentes pacientes confirmados ou suspeitos, profissionais que realizam o transporte de pacientes, como ambulâncias, profissionais que trabalham no preparo dos corpos para cremação ou enterro;
c) Risco mediano de exposição: profissionais que demandam o contato próximo (menos de 2 metros) com pessoas que podem estar infectadas com o novo coronavírus (SARS-coV-2), mas que não são considerados casos suspeitos ou confirmados; que tem contato com viajantes que podem ter retornado de regiões de transmissão da doença (em áreas sem transmissão comunitária); que tem contato com o público em geral (escolas, ambientes de grande concentração de pessoas, grandes lojas de comércio varejista) (em áreas com transmissão comunitária);
d) Risco baixo de exposição: aqueles que não requerem contato com casos suspeitos, reconhecidos ou que poderiam vir a contrair o vírus, que não tem contato (a menos de 2 metros) com o público; profissionais com contato mínimo com o público em geral e outros trabalhadores.
Como todo passivo trabalhista, a relação entre empregado e empregador estará sujeita à interpretação do juiz julgador da causa após a judicialização da questão.
O histórico das decisões dos Tribunais já demonstra que em casos de doenças endêmicas, empresas que trabalham em atividades de risco por excelência, como hospitais, estão sujeitas à aplicação da teoria do risco, sendo responsabilizados pela contaminação de qualquer um de seus colaboradores (TST – RR-100800-30.2011.5.17.0009).
A se considerar que o quadro pandêmico é algo sem precedentes históricos nos tribunais, precisamos ser cautelosos nas análises jurídicas sobre o tema.
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